Reproduzimos agora uma entrevista a Alberto Lema aparecida no número 69 do Novas da Galiza, publicado em 15 de Agosto de 2008:

XIANA ÁRIAS / O poemário Plan de Fuga (Estaleiro Editora, 2008) e a novela Unha puta percorre Europa (Galaxia e Caballo de Troya, 2008) conformam os volumes publicados até o momento por Alberto Lema (Bamiro, Vimianço, 1975). O escritor toma partido não deixa de tomar partido em qualquer deles. Foi a doutora em teoria da literatura, María do Cebreiro, quem assinalou no prólogo aos poemas “a construção de uma esquerda real também na poesia”. Para definir-se parece procurar sempre a folha laboral: licenciado em filologia inglesa, trabalhou de moço de armazém, de lava-pratos, camareiro ou motorista de camião. A conversa tem lugar numa taberna de Compostela, às onze da noite, quando ele acaba uma jornada que excede com muito as oito horas. Pede licor café. “Não lhe tira o sono?”, pergunto. “Não, não. Durmo muito bem”.

Qual é a relação entre posição política e construção literária na sua obra?

Somos sujeitos ideológicos, cada um de nós tem um sistema de valores, uma posição, umas ideias. Isso vê-se reflectido no que se escreve. Para além disso, neste caso há uma vontade de fazer explícito esse posicionamento. Não pretendia que fosse uma lição. A intenção é construir algo desde a esquerda, fazer um canto à revolução que seja uma revolução. Pretendia fazer apologia da revolução.

Crê, como afirma num dos seus poemas, que “veremos cair os muros de McDonald´s”?

O momento histórico convida a sermos optimistas. Apesar da queda do socialismo real, ou da maior parte do chamado socialismo real, penso que o capitalismo continua a producir idénticos efeitos no mundo: desigualdade, exploração, destruição do meio. Como sempre os melhores exemplos de rebelião venhem dos paises onde as contradições som maispatentes, como na América latina. Eu creio que é uma esperança para nós. Nos paises chamados do primeiro mundo estamos envolvidos na música de que somos classe media mundial e que portanto não existe a necessidade de fazer uma revolução para nós. Também acho que as coisas se movem. Que se contesta. Logo, tal vez presenciemos uma mudança de ciclo, ainda que duvido que a crise do petróleo implique o fim do modo de produção.

A literatura serve para producir debates? Ponhamos por caso o da prostituição, que centra a sua aposta narrativa.

Creio que há duas possibilidades. Uma delas é acatar o desenho do mapa imposto que divide o mundo em partes claras e escuras. Das claras podemos falar todos e todas, são a intimidade, a infância e a morte. E logo há determinadas partes escuras das quais não se pode falar. Existe uma censura e eu creio que a literatura pode ser portadora de más notícias. Agora bem, no meu caso há um posicionamento claro por essa estética. Não falar só de aquilo que é bonito. Há temas que são considerados literários e outros que são considerados políticos e na realidade acatar essa diferença, acatar que por falar da prostituição estás a fazer política, o que implica é que já tinhas tomado antes um posicionamento.

A publicação no mesmo ano dos dois livros foi uma casualidade?

O poemário ia ser publicado em 2006. Estaleiro editora iniciava o seu caminho e o livro atrasou-se mais do previsto.

E a novela levava mais tempo escrita.

Sim, levavam os dois escritos desde o ano 2005, mais ou menos, tenho má memória para as datas.

Sente distância com a obra?

Sinto-me mais perto da novela. Com o poemário tenho alguns inconvenientes com a voz porque a maior parte das vezes custa-me trabalho reconhecerme. Nom sei muito bem quem foi o que o escreveu, é como se fosse um Alberto de 90 anos.

Plan de Fuga está publicado em licença Creative Commons e Estaleiro Editora distribui-o gratuitamente pela rede. Comparte as linhas mestras do projecto?

Claro. O acceso à cultura deve ser o mais barato possível, o mais accesível possível. Parece-me perfeito. Suponho que há gente que aspira a viver dos rendimentos dos seus livros, eu também gostava! Mas nom creio que seja o caso e penso que escrevemos com a intenção de que nos leia o maior número de pessoas possível. Existe, ou existirá sempre, uma coisa que se chama prestígio ou que se chama academia e que require que um livro seja editado num formato mais ou menos normal. A palavra normal inclui preço, mas para mim tanto faz.

Que lhe preocupa?

Os bancos. O meu banco preocupa-me. Pagar as letras. O aluguer. O teléfono ou telemóvel.

Uma luta quotidiana?

Tratar de conservar um certo mínimo de integridade pessoal.

Um debate que abrir?

A reformulação do marxismo no século XXI. Estamos atrapados numa dialéctica entre o dogmatismo e o liquidacionismo e penso que temos a obriga de construir e debater as armas da esquerda.

Uma consigna?

Pela república galega.

Para acabar, um plano de fuga?

Creio que este País já teve o seu momento de fuga. O Prestige foi um momento precioso para um plano de fuga. Mas finalmente o túnel que escavamos em vez de levar-nos para fora do último muro deixou-nos no pátio.

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